Um teto todo “meu”

Fui convidada há alguns anos para dar uma palestra sobre #feminismo, para um grupo definido como “bem qualificado”. 🤷🏼‍♀️

Desembarquei junto com um trio de colecionador de diplomas, sócios de clubes de gente rica, são CEOs e amontoam carrões nas garagens de suas mansões. Alguém me perguntou: “veio falar sobre previdência privada?” (porque na cabeça de mais da metade de quem me conhece acha que só sei falar sobre esse assunto).

“Não, vim falar sobre feminismo.” Os outros 3 que dividiram o táxi comigo até o local do evento se restringiram a responder: “Feminismo? Mas ainda precisa falar sobre isso?” Me poupei de uma resposta à altura da grosseria e ignorância do questionador. Mas mereceu. E é lógico que os 3 machões “parças de táxi” não compareceram na hora da palestra pra ouvir a minha conversa de “mulherzinha” – tinham mais o que fazer e feminismo era uma bobagem superada. Na saída, um advogado comentou: “somos sócios e todos parentes. Precisamos arranjar uma sócia só pra “pegar bem”?” Não… precisam de outra coisa, mas deixa pra lá…

“Pegar bem” não resolve problemas; ir a fundo e corrigir injustiças é que funciona. Vai levar tempo até que certas vozes tenham um microfone para defender suas ideias. Dentro da minha relativa bolha de privilégio de mulher branca e que teve acesso a uma boa universidade, consegui provocar a discussão no sentido de “privilégio” que eles tinham e ainda têm se fosse transmutado em igualdade, resultaria em ganhos para toda a sociedade, o que seria muito mais positivo do que a perda de “regalias” de alguns.

Assim, estruturei minha fala com uma experiência própria (usando o tal do storytelling) e, como pano de fundo, o livro “Um Teto Todo Seu”, de Virgínia Woolf.

Não me apegarei a detalhes, embora o livro mereça e eu própria confesso que precisei ler três vezes pra começar a entender sua linha de raciocínio nem tão linear.

O ponto crucial do livro é uma pergunta: por que tão poucas mulheres escrevem? E escrevem ficção?

E a resposta é de certa forma simples (atenção, não é spoiler): porque as mulheres eram (ainda são, embora menos) submetidas a cenários desencorajadores para escrever ficção, ao passo que os homens recebiam atribuições e privilégios bem distintos.

E para uma #mulher se libertar (para escrever ou não ficção – essa é uma escolha pessoal, poderia ser ballet, circo, pilates) ela precisa de um teto todo seu.

Observe que o teto é uma metáfora. A mulher precisa ter um refúgio, um abrigo, um lugar onde possa ter a paz necessária para escrever. Sala de jantar dando comida pras crianças não conta. Uma sala da Maria Joana onde qualquer um entra e interrompe também não vale. Parece que nunca tem espaço para essa mulher ter privacidade. Para escrever, é preciso silêncio, um teto seu – nem que seja seu em alguns horários, mas que seja só SEU. E isso assa Ainda pela independência financeira. Nas palavras da própria autora, “Não se pode pensar direito, amar direito, dormir direito quando não se jantou direito.”

Vale lembrar que, em outras épocas, todo dinheiro que a mulher ganhasse deveria ser dado ao marido. Ufa! Evoluímos. Quase.

O livro tem material para uma longa crônica, mas deixo para vocês o teaser – leiam! – e uma das minhas frases preferidas, que parece tão bobinha a quem lê superficialmente, mas é de uma profundidade que poucos alcançam:

“Por que os homens bebem vinho e as mulheres, água? Por que um sexo é tão próspero e o outro, tão pobre?”

Mergulhem nessa pergunta… se for com vinho, ainda melhor.

(Por Ivy Cassa)