
“Não sei se vou me acostumar.”
Se houve algo que não fiz nesta pandemia foi ouvir música. Acumulei tantas horas ouvindo podcasts do Spotify que, se horas de voo de aspirante a piloto pudessem ser convertidas em horas de escuta de podcast, eu já estaria habilitada a assumir uma cabine de comando de avião.
No fim de 2020, assistindo o episódio de Natal de “diário de um confinado (Bruno, te adoooro)”, chamou a atenção e tocou meu coração uma música da trilha sonora, que ganhou na voz de George Sauma (👏🏻👏🏻👏🏻) todas as nuances de um ano pandêmico (pelo menos do meu): adeus, acostumar, marca do olhar, silêncio, dor, ir e vir, tentar ser feliz, machucar, inverno e cicatriz.
Pode ser que minha comoção seja hormonal, ou que seja apenas eu com minhas elucubrações: tá demorando pra eu me acostumar, ainda não sei se e quando me acostumarei e, se essa hora chegar, temo que seja tarde.
“Não tenho nada pra dizer” (rá rá rá), outras vezes tenho tanto. Pensei diversas vezes em escrever uma carta para cada um deles – e pouco importa quem são – questionando se não sentem saudades das minhas histórias melodramáticas que sempre terminavam com um “tire o celular dela, ela não pode ligar para o XXX!”. Das minhas ideias (vamos fazer uma festa grega, pegar um táxi vestidos de lençol branco e quebrar pratos no quintal da casa da amiga?). Da minha camaradagem: “tou passando mal, mas comprei doces temáticos para enfeitar a festa à qual eu disse mil vezes que não queria ir.” Da minha diplomacia: “X está com este problema, Y, Z e W devem ficar quietos e eu avisarei quando for a hora de tocar no assunto”. Do meu cuidado: “X terminou com Y, eu estava quase dormindo e com enxaqueca, mas me recompus para passar a noite apoiando X, que depois de meia hora já tinha arranjado um date com W e eu passei a noite sem respostas.” Da minha fraternidade: “não tive filhos, mas estou dando a você o MEU enxoval”. Não quero ser a mocinha da história, mas tampouco fui a bruxa, disso tenho certeza. Até unfollow de ex-namorado, marido e ex-amigos dos outros eu levei sem ter culpa alguma.
Qual terá sido a lógica usada por um grupo tão seleto e querido de ex-amigos para continuar a vida como se nada fosse… como se não fosse eu a “madrinha”, a que lhes abriu as portas de casa, reuniu-os e apresentou-os, chegando a considerar nossos estranhos laços como “família”?
Indubitavelmente, reforçou-se para mim a lição de que ninguém é insubstituível – e nem precisei morrer para me sentir sem vida. Sequer luto teve, nem daqueles que acabam literalmente em pizza.
Pode ser minha distorção de realidade ou até uma pitada de narcisismo, mas posso apostar que se qualquer um deles tivesse refletido sobre o ocorrido, no mínimo se depararia com um: “será que a Ivy faria assim se a bruxa de Salém fosse eu?” Conheço os valores que procurei passar a cada um; só não prestei atenção que pregava ao vento. Errei.
Tentei me reaproximar. Foi infrutífero. Vai ver, a errada era mesmo eu. A culpa era minha por ter aberto tanto espaço para que opinassem na minha vida, a ponto de me tratarem como se eu fosse uma personagem, uma marionete, e não uma amiga, mulher, irmã, alguém que sente dor e busca colo. Até podiam opinar se eu lhes desse espaço, mas deviam ter começado pelos sem pecados e sem rabo preso. Talvez não sobrasse um e estaríamos até hoje vivendo uma relação superficial.
Apesar de tanto carinho, “vai ser melhor assim”. “Não aprendi dizer adeus”, mas estou aprendendo há mais de ano que amigos vêm e vão. Desejo que sejam felizes, que a pandemia passe e apague cicatrizes.
“Não sei se vou me acostumar, mas apesar de tanta dor vai ser melhor assim”.
Por Ivy Cassa, com o texto estruturado na música “Não aprendi dizer adeus”, de Leandro e Leonardo.