Não estou fazendo aulas de ginástica coletiva, meditação com as quase celebridades, ioga pela internet ou qualquer modalidade de exercício das blogueiras que viverão mais que Matusalém e com a pele da Sandy.

Minha malhação tem sido ir até a portaria do prédio buscar a “ração” do dia. Aliás, obrigada, Rappi! Vocês são como uma mãe que faz nossas vontades nas horas mais absurdas 👏👏👏 É tipo a panela de sopa que a minha deixava pronta de madrugada quando eu fazia cursinho pré vestibular e chegava tarde. Hoje, chego em casa (nos raros momentos de sair) e só tem vinho e empanados veganos de ervilha no freezer. Nos primeiros dias, acreditei ter encontrado o elixir para a fome eterna – que aumentou exponencialmente nos últimos. E nem venha me falar de comer “uma castanha”. Coma vc e coloque um pote de nutella ao lado. Quem vence? Depois de 4 ou 5 dias de empanados de ervilha, me sinto comendo ração de cachorro.

Fiz alguns chats com amigos, uns que não via nem falava há muito tempo. Isso fez minha “quarentena” menos solitária por breves horas. Constatei que se o happy your for etilicamente muito farto, eu não aguento o segundo no mesmo dia – ai, esses 38 anos! No último encontro, consegui a proeza de dormir conversando 😳 A conversa era boa, mas eu estava feito o Jaiminho: só fadiga.

Dica: não cante em chats, ainda mais se for “Evidências” ou qualquer uma da Lady Gaga. É libertador, mas seus amigos farão questão de guardar essa memória pro resto da sua vida.

Ainda sobre os chats, há os “amigos” que não “têm tempo” e continuam desaparecidos – houve uma explosão de trabalho em época de crise e eu mais meia dúzia perdemos o bonde? Só vejo notícia ruim no noticiário e a turma trabalhando como se fosse um boom econômico! Antes tínhamos as famosas desculpas pra faltar no hh: chuva, trânsito, reunião, jantar com cliente, falta de grana, encontro do Tinder. Fora as tias que “morreram”. Eu mesma já matei uma dúzia por estar de bode pra sair de casa. Agora não tem desculpa – nem tia pra “matar”. Marcou, tem de estar na janelinha do celular, e com a cara desamassada do pijama – óculos de sol e chapéus ajudam a esconder olheiras e raízes crescidas. Ficamos também mais intolerantes: os “balões” que eram admitidos agora exigem uma desculpa muuuuito boa. E nem adianta “matar” mais uma tia pq, além de ter esgotado o estoque das imaginárias senhorinhas, os velórios, até onde sei, estão suspensos ou restritos.

O trabalho também adquiriu nova dimensão: acabou a fuga do campanheiro ou da companheira nos cuidados com os filhos, afazeres domésticos, cachorro, gato… Você está pronto pra assumir essas responsabilidades? Já valorizou quem fazia por você?

Estamos na orquestra do Titanic: o navio está afundando, mas o importante é fazer webinários em que palestrantes, cheios de pompa, falam como se não estivéssemos em crise. Home office? E quem nem tem trabalho, como faz? Como se distrai? Como come, minha gente!!!! E os projetos cancelados? E a redução de gastos pelas empresas que já estavam com o pé na cova? E os pseudopalestrantes e pseudocoaches de nariz empinado que bombardeiam as lives e canais de YouTube com dicas óbvias?Arrumar uma escrivaninha, tirar o pijama e colocar o cachorro pra fora do escritório é fácil. Outro dia até uma milionária postou já planejando sua rica mesa de Páscoa. E o resto da gente? E o trabalho? E os clientes que precisaram fechar as portas? É pra ficar vestidinho social pra jogar paciência trancafiada no quarto? O que se vai servir nessa mesa de Páscoa da maioria da população? Ah, mas o legal é manter uma agenda de eventos que atende aos interesses de meia dúzia – aquela que só vai deixar de ir pras Maldivas pra ir pra Ibiza. Coitadinhos. Óculos cor de rosa pra todo mundo, já!

Este é o primeiro texto de 2020 do Portas Abertas. Preferia escrever sobre paixões tórridas, meus dramas mexicanos e histórias divertidas. Não deu, desculpem, leitores. Vai passar.

Por fim, não se esqueçam de estocar papel higiênico! Afinal, é o que nos resta depois dessa avalanche de 💩 que estamos vivendo. Mas pense no outro antes de comprar desenfreadamente. O outro também pode estar com dor de barriga de ver essa bagunça toda. Mais solidariedade e menos polianismo.

Por Ivy Cassa

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