Até rimou!

Percebi que um bocado de gente desencanou da pandemia há tempos. E outro tanto sequer encanou. Estou em outra corrente: a dos que acham que não acabou, que está cada dia mais difícil, que não sabem quem está “no comando” mas respeita o credo de cada um e que está exausta.

Semana passada, uma pessoa de quem inclusive gosto, mas que jamais consigo imaginar tentando tirar o limo da pia do banheiro com uma escova de dentes velha, me telefonou e eu estava dormindo. Mal acordei, retornei a ligação, embora com a voz embargada do sono, mas só porque era ESSA pessoa e ela podia estar precisando de mim. Ela me saiu com um: “você continua acabrunhadinha?” Continuo. Milhares de pessoas tem morrido diariamente em nosso país, a única família próxima que tenho é minha mãe e minha vida virou de cabeça pra baixo. Se ainda assim eu não estivesse acabrunhadinha, daria o direito de ser questionada por ser alienada, insensível e negacionista. Sou uma acabrunhadinha consciente.

No mundo dos que buscam uma fresta de sol na terra dos grandes escritores, há certo preconceito contra algumas trilogias do tipo “aturdida”, “venenosa” e “melindrada”. Segundo alguns, nem poderiam ser considerados como “obras”. Pois se eu fosse entrar nessa onda, um dos títulos já estaria pronto: “acabrunhada”.

Outro dia tive um problema com meu carro – essa pandemia não está para amadores – e tentei resolver tudo sozinha. Depois de peregrinar mais de duas semanas, joguei a toalha e resolvi contratar um despachante. Descobri que não podia ser qualquer despachante. Quando o assunto é carro, já levanto os braços e grudo na parede de costas porque sei que serei enganada, roubada, estraçalhada etc. O rapaz pediu um documento que tenho certeza de que não só eu não tinha como nunca existiu, além do que os outros despachantes e o próprio site do DETRAN não solicitavam. Então ele começou a gritar no telefone: “vai resolver sozinha seus pobrema”. Fiquei muito put@ e com aquela já mencionada vontade de chegar no escritório do senhor coçando o saco pra saber se ele gritaria comigo. É pra tirar alguma lição? Vai mais um título pra trilogia. “A pobremática”.

E pra fechar a trilogia, semana passada eu recebi a recomendação de um suposto milionário que tinha um problema urgente e precisava de ajuda. Um “pobremáticol”, concluí com empatia. Larguei na hora o que estava fazendo. Além de tudo, era um pedido de uma pessoa por quem tenho respeito. Fiquei com o fajuto milionário 3 dias seguidos enchendo minha paciência de manhã até à noite, apresentei uma estratégia para assumir sua defesa, com conhecimentos que acumulei ao longo de quase 20 anos de carreira para, um dia antes de um prazo judicial fatal ele desaparecer. Não ressuscitou no terceiro dia, mas no fim da tarde da véspera, para dizer que não queria mais. Ok, cada um escolhe o advogado que quiser. Ainda mais quando já se sai com a parte difícil mastigada – ele tinha a estratégia nas mãos. Contudo, considerando que ele havia consumido tantas horas da minha consultoria jurídica, achei justo que ele pagasse pelo menos por uma parte delas. A casa caiu. Ele afirmou estar “estarrecido” com a cobrança. “Se você não reconhece que desde o começo da semana só trabalhei pra você e se essas aviltantes horas são um fardo perto do problema que você tem em mãos, fique com o abacaxi no colo e não me atormente mais.” Estarrecida estava eu!

Assim, acabrunhada, pobremática e estarrecida já tenho pelo menos os títulos dessa trilogia que – oxalá! – venderá mais que Harry Potter. Socorro!

Por Ivy Cassa, autora de Confissões de uma Jovem Viúva, Devaneios de uma Pandemia e Bode Juridico. 3 livros, mas ainda não uma trilogia. Todos à venda no site da Amazon