
Hoje é dia do livro. Juro que tenho a impressão de que já teve um neste ano, ou então é porque a pandemia tá me deixando tão por fora do calendário que nem estou mais distinguindo o que era 2020 do que é 2021, se é que estamos mesmo nele.
Em homenagem à data, começo fazendo uma homenagem à Biblioteca Infanto Juvenil Chácara do Castelo – ainda existe? Já colocaram uma escada rolante naquela ladeira? Afinal, foi lá que mais ou menos tudo começou. Quer dizer, começar mesmo começou com a minha mãe, porque uma criança – ainda que precocemente alfabetizada – não teria essa iniciativa sozinha.
Agradeço também à biblioteca do colégio que estudei a vida inteira, o Júlio Pereira Lopes, e cuja biblioteca “maratonei”. Toda. Tá, não era a Biblioteca de Nova York – que vergonhosamente nunca visitei – mas tinha seus tesouros. Claro que tudo começou com a coleção Vaga Lume, mas evoluiu para uns tantos da Ágatha Christie e daí comecei a me aventurar, ainda menina, em uns que talvez não fossem tão adequados para a minha idade. Não morri de amores por A Viuvinha, Iracema, Dom Casmurro e quase tinha pesadelos só de falar do FDP do Primo Basílio. Com o tempo, fiquei amiga do Brás Cubas, apaixonei-me pelo tal primo, descobri que a versão em áudio do Dom Casmurro transformava o livro em outro texto na voz do Rafael Cortez.
Uma pena que durante a preparação para o vestibular só se falasse sobre leituras obrigatórias e que durante a faculdade, leitura era de texto pra seminário, pro TCC, pra prova da OAB e li quase nada que me fizesse pensar. Depois? Emendando o término da faculdade no MBA, mestrado e pós, que pena, fui perdendo o gosto pela leitura. O que não fosse livro técnico era desperdício de tempo – que pena!
Felizmente, tempos mudaram e foi lá pra 2016, por causa de um “vocês sabem quem, mas não sabem”, que voltei a ler. E nesse cárcere privado que está sendo a pandemia, não sei o que seria de mim se não fossem os livros.
Mesmo lendo todos os dias por 124 semanas consecutivas – o Kindle que disse -, tenho uma dívida com alguns gigantes: Dostoiévski, onde tentei mergulhar até pra me aproximar de um doutor na matéria, que nem o nome do autor pronuncia assim, é um deles. Se eu nem consigo falar o nome do senhor corretamente, que dizer de seus livros? Simone de Beauvoir é outra: adoro tanto seus livros que nunca consigo terminar algum. É tanto emaranhado de anotações que posso dizer que já li vários livros dela, mas não li nenhum inteiro. Elena Ferrante e a trilogia das amigas também estão na lista dos encalhados, embora “Dias de Abandono” tenha sido tão bom. Só não foi melhor que seu colega também italiano Domenico Starnone em Laços – devemos levar em consideração minha quedinha por italianos ou ele a superou mesmo nesse? O que dizer sobre Gabriel Garcia Marquez, que há uns 3 anos mora ao lado do meu abajur e ainda não rolou? Walter Hugo Mãe eu conheci outro dia, enquanto lavava louça e ele dava entrevista num podcast. Ele já está aqui, mas ainda estamos de namorico, nada sério. E já que falo de portugueses, ai, Saramago… me perdoe, mas ainda não te devorei, mesmo tendo ido duas vezes à sua casa. Acho que tá faltando química, mas a gente resolve isso logo.
Poderia ter escrito sobre os meus preferidos, mas quem me acompanha pelas redes quase sempre sabe quem tá na cama comigo. Esses dias tenho andado com a Sylvia Plath, mas tenho alguma dificuldade com a monogamia literária, razão pela qual o Karnal não sai de perto, nem a Fernanda Young, o Freud e a Clarice. O que seria do meu cárcere solitário se não fossem esses amigos?
E ainda poderia terminar fazendo uma propaganda dos meus próprios livros, mas estamos sempre juntos, razão pela qual não vou chamar os pobrezinhos de encalhados. Prefiro dar voz ao Karnal porque o Dilema do Porco Espinho indubitavelmente define a pandemia. A minha, pelo menos. “Viver exige pausas, (…) solidão a dois é um inferno absoluto, e (…) desconfie de quem não se isola.”
Contem pouco comigo para dar dicas de seriados e programas de TV. Mas na minha farmácia literária tem um remedinho pra quase tudo. E você, quem leva pra cama e quem são seus encalhados? Conta pra mim.
Ivy Cassa, autora de “Confissões de uma Jovem Viúva”, “Devaneios de uma Pandemia”, “Bode Jurídico” e uma meia dúzia “no prelo”. Os três primeiros estão à venda na Amazon.