
Saudades do meu corpo
Meu cabelo
Meus braços, minhas pernas, meu abdômen
Da minhas roupas que não me servem mais
Das roupas que não se ajustam mais ao meu novo estilo de vida
De alguns amigos que até hoje não sei se eram ou não – mas deixaram saudades
Tenho saudade das viagens
A passeio
A trabalho – mesmo quando eu voltava mais cansada do que fui e só consegui tirar uma foto para o Instagram. Dessas tenho menos saudades.
Saudades das aventuras que se expandiam para além das minhas andanças pelo Brooklin. Dos sotaques, das palavras novas, dos nomes dos estabelecimentos, dos atendentes, dos pratos… eu era tão bobamente feliz viajando
Saudade de carregar um belo fardo de sacolas de compras com coisas que nem sei se cheguei a usar, mas foram por alguns instantes pílulas de felicidade
Saudades da neve, dos bonecos de neve, dos esquilos
Saudades da praia e até da areia – mas não muito
Saudades do campo – quem diria!
Saudades de ter tantas histórias passadas e praticamente nenhuma presente
Saudades de não ter para quem contar minhas histórias, mesmo que sejam repetidas
Saudade de colocar meus sapatos Miu Miu – bem de vez em quando e só pra andar no tapete, pra não quebrar os saltos
Um vestido envelope da Diane Von Furstenberg
De pedir uma, duas, três, meia dúzia de cosmopolitans e esquecer até o último gole que 13 dólares não são 13 reais
Saudade da amiga que indicava os novos restaurantes
De ir aos novos restaurantes sem medo – com ou sem a amiga
De ir aos velhos restaurantes
Sinto medo dos velhos restaurantes terem fechado e eu nunca mais provar aquele pudim com calda de azeitona que provavelmente eu era a única que apreciava
Tenho medo do sentimento de constatar que, salvo um que já não está aqui e outro que está fora do jogo, já não tenho saudades de amar
Paradoxalmente, tenho saudade de abraçar
De beijar
De não desconfiar – pelo menos dos comportamentos de risco perante a covid – dos namorados
Saudades dos namorados gringos que viraram conversas e fotos arquivadas
Medo de alguém muito próximo pegar a doença, sofrer e morrer
Medo de alguém muito próximo de alguém que é muito próximo de mim pegar, sofrer e morrer
Medo do que será
Medo de passar a ter mais medo depois de tudo que foi
Medo de não ter medo e me expor a um risco
Medo de quem não tem medo e coloca as vidas que considero importantes em risco
Medo e asco de quem palpita sem fundamento, sem medo e sem compaixão
Ansiedade para saber quando olharemos para trás e lembraremos do medo – não com saudades, mas com mais motivos para encontrar razões para sermos felizes como éramos e não reparávamos.
Ivy Cassa