Feliz dia para você também. Obrigada pelas “rosas virtuais”. Acho que em tempo de pandemia são aceitáveis, ainda que nada substitua o carinho de um belo buquê de flores para o dia das mulheres. Flores do campo, não rosas… não é por nada, mas depois de 10 anos trabalhando juntos você sabe que rosas não são as minhas preferidas, né? Ou nunca reparou? Ah, o gif estava na sua lista de transmissão e você mandou sem critério para todas. Mas mandou, claro… tem seu mérito. Acho.

Meu dia seria mais feliz se todo dia começasse com um bom dia carinhoso da sua parte. Não estou falando de encher minha caixa de entrada com memes infantilóides de ursos e gatos, que isso não é bom dia, é uma praga. Bastava um olhar sorridente. Em tempos de pandemia, um oitudobem que não fosse da boca pra fora, que quando eu começasse a responder o “tudo bem” você já não estivesse colado na tela do celular seria simpático. Que você tivesse reparado na echarpe azul de seda que eu estava usando. Ah, homem não repara… sério mesmo?

E também não espera uma resposta para o “tudo bem”, é só uma questão protocolar. Eu queria perguntar do seu tio que você postou que estava doente no fim de semana. E contar do meu primo que morreu anteontem. Mas só eu mesma pra ter essas ideias, né? Ois protocolares são quase a versão contemporânea de bater o ponto – e quem é que conversa com o relógio de ponto? Em plena segunda-feira dia da mulher? Nem na terça, quarta, quinta ou sexta. Quiçá, nem aos sábados e domingos. Então não precisa do oitudobem. Uma saudação com o crachá lhe cairia bem.

Obrigada pelo convite que enviou a “todas as mulheres” do escritório para almoçar – cada uma pagando a sua parte, lógico. Aliás, cada vez mais razoável, desde que estejamos todos e todas em pé de igualdade na nossa remuneração. Quantos por cento mesmo um homem ganha a mais que uma mulher, mesmo que ela seja melhor qualificada e exerça a mesma posição? Quantas de tantas advogadas que vocês se orgulham de ter no escritório são sócias? Quantas dessas sócias são efetivas e não de fachada? Quantas, dentre elas, puderam exercer a maternidade sem que isso as colocasse em desvantagem na corrida pelo pódio jurídico? É, talvez seja melhor rever a proporcionalidade dessa conta.

Pode parecer antiquado, mas eu apreciaria que você abrisse a porta do carro para mim e minhas colegas quando chegássemos ao restaurante, e de repente até ajudasse os garçons a puxar as cadeiras para nos sentarmos. Não que nós não tenhamos forças ou sejamos folgadas. É que feminismo não anula gentileza.

Ah, vai comprar umas rosas vermelhas pra sua esposa na saída? Entendi: a Valdirene que vai comprar. E ela sabe de que flor sua esposa gosta? Sei… “mulher é tudo igual”… Menos a Valdirene, né? Que alguma vez lembro de ter encontrado vocês dois na saída de emergência do prédio em situação suspeita. Mandou rosas virtuais pra ela também ou tem uma lista de transmissão incluindo nudes e outros presentinhos só para as Valdirenes?

Concordo, uma baita sacanagem não ter o dia dos homens… boa parte de vocês têm tanto a nos ensinar. Nem que seja pelo exemplo contrário. Mas sou favorável a um dia dos homens. Direitos iguais. Vamos levantar algumas bandeiras como o fim da violência doméstica por mulheres contra maridos, o fim da “cultura do estupro” contra homens e o direito de vocês postarem fotos em trajes de banho em suas redes sociais sem que isso seja considerado um “convite” ou coloque em xeque sua competência.

Acredito que grande parte das mulheres vai se empenhar para – logo de largada – ignorar a cara feia do chefe que resmunga: deveria ter contratado um rapaz. No fundo, o chefe deve ser boa pessoa: deixou um Bis na mesa de cada funcionária. Não uma caixa, UM bis. Com um bilhetinho: contribuindo para vocês perderem os quilinhos que ganharam na pandemia e os rostinhos redondos. Foi quase delicado, quase carinhoso, quase fitness, quase nada gordofóbico. Eu diria que foi adequado: coerente com as suas atitudes de todos os outros 364 dias do ano, em que as mulheres também deveriam ser bem tratadas, mas, sabe como é… Acho que não sabe, né?

A mulher vai comprar uma camisa daquela marca que você gosta, nem que para isso precise abrir mão de um sapato novo, porque o dela já está tão gasto na sola que posso quase apostar que aqueles tombos que ela levou ultimamente foi por causa disso. Que ainda vai pedir para o chefe para não almoçar e compensar esse horário saindo mais cedo para buscar as crianças mais cedo na escola, para preparar um jantar com aquele risoto de camembert com aspargos que você tanto gosta de comer esparramado no sofá assistindo futebol calado e sem reparar no vestido que ela escolheu – ela, a rosa murcha. Ela pediu pra você só cuidar da sobremesa, mas voltando pra casa você pensou: ela não tá de dieta? E chegou de mãos vazias. Uma data comercial, repetia para si mesmo.

Feliz dia das mulheres para você também, se ainda estiver preso na leitura até aqui. Inclusive, se você chegou a este último parágrafo, talvez esse texto não seja para você. Parabéns!

Por Ivy Cassa

Ivy Cassa é escritora, advogada, estudante de psicanálise e criadora do Blog portasabertas.blog
Sua última obra se chama “Bode Jurídico” e todos os seus livros estão à venda na Amazon.