
Pobre Marieta. Está com covid. Jovem, ativa, altamente sociável e de uma classe privilegiada. E não é que o destino lhe pregou uma peça?
Marieta não trabalha em atividade considerada serviço essencial: daria plenamente conta de seus afazeres em home office, onde fica inclusive melhor alojada – mora sozinha, não pode reclamar do barulho das crianças ou de pequenos arranca rabos com marido, namorado ou similares.
Semana passada, Marieta foi à academia, onde registrou fotos sem máscara com os companheiros de bike (afinal, dureza malhar pesado e ter aquela coisa horrível grudada no nariz e na boca). Saindo de lá, foi ao escritório. Não porque precisava, mas porque estava com vontade de socializar com os colegas que também preferem sair de casa. Almoçaram juntos – sem máscara, e no fim do dia marcou um happy hour com amigas de infância que ela não via há séculos. Só Marieta pra conter tanta saudade. Não é que a reunião acabou esticando para uma festinha às escondidas na casa do amigo do primo de uma das amigas? Como ela se sentiu plena dançando sem amarras de máscaras no meio de pessoas tão livres.
No dia seguinte, Marieta não foi trabalhar. Dona do próprio negócio, resolveu dar prioridade aos sobrinhos. Intercalando registros dela mesma – com ou sem máscara, conforme ela lembrava que precisava colocar pelo menos como forma de dar satisfação aos seus seguidores. Deu pra reparar pelos seus stories que ela tomou bastante cuidado em quase todas as fotos que tirou com aqueles pequenos querubins assintomáticos. Escapou uma ou outra foto dela com os pimpolhos sem máscara, mas faz parte do jogo das saudades, não?
Depois de passar uma tarde no salão de beleza, porque pelo menos fazer as unhas é uma questão de dignidade, diz ela, a noite prometia: foi visitar a bisavó de quase uma centena de idade que havia tomado a primeira dose da tão aguardada vacina. Marieta, uma blogger, não podia deixar de imortalizar aquele momento: uma foto agarrada à bisa metade imunizada, ambas tomando uma cervejinha. A bisa sem máscara, claro – mais vale meia imunização do que uma vacina voando. Marieta colocou a máscara para sair na foto coladinha à sua ancestral mais antiga viva. Claro que depois tirou a máscara, pois afinal esse negócio de máscara ou é carnaval ou é look de Instagram.
Após 2 ou 3 dias, Marieta confessou no seu Insta que estava com Covid. Pobre Marieta. Isso não é coisa que se deseje a ninguém, nem aos novos, nem aos velhos, nem aos inimigos. Mas o que mais chamou a atenção nisso tudo foi o diário que Marieta escreveu sobre seus dias pré contaminação: “sapatos sempre na porta, álcool em gel nas mãos e compras desinfetadas”.
Talvez, por um lapso, tenha esquecido de contar das saídas, da falta de máscara com crianças potencialmente contaminadas e provavelmente assintomáticas. Esqueceu até de contar da foto agarradinha na avó sem máscara. E arrematou: deve ter sido o botão do elevador do prédio que estava contaminado.
Deve, Marieta. Você alcançou o X da questão.
Desejo a ela uma boa recuperação. E muita saúde à sua bisavó. Desejo também que a amnésia de Marieta seja um efeito passageiro da Covid. E deixo a sugestão de que os botões do elevador sejam substituídos por comandos de voz – quem sabe uma Alexa. Tão perigosos!
Marieta, jovem que é, em breve possivelmente ficará curada e vá intensificar ainda mais suas visitas e peregrinações. Tomara que sua bisavó – e todos que tiveram contato com ela nos rolês pandêmicos só no nome – também estejam saudáveis. Será que ficou alguma lição ou os imprudentes serão exaltados? Que lógicas estranhas de se explicar. Afinal, a botoeira do elevador é que tem as costas largas. Cada uma!
Ivy Cassa