
Sou dessas mulheres que consideram “dar uma voltinha até a farmácia” como programa.
E se você for mais a fundo para saber novas verdades, perguntará: “antes ou depois da pandemia?” E como advogada que sou, responderei um sonoro “depende”.
Nos lugares em que trabalhei em que havia farmácia nas redondezas, eu sempre fazia um pit stop pra descobrir o que me faltava: uma nova escova de dentes macia, já que a minha tava no ponto de limpar azulejos, um estoque de pastas de dente, de fio dental, camisinhas, desodorantes, muito de vez em quando alguma maquiagem. E uns comprimidinhos, claro! Não há ida a farmácia que não resulte num. Saí pra comprar antiácido e só trouxe antigripal. O que, pelo lado positivo, justifica mais uma ida à farmácia, e mais um blá blá blá com os atendentes: sempre pergunto como anda a vida, se as pessoas andam muito ou pouco doentes, essas coisas.
Nem vou falar das farmácias americanas porque elas nunca estiveram tão distantes e eu tão carente delas… Mentira, vou falar sim: nos bons tempos, depois de um dia de aventuras nova-iorquinas, dezenas de sacolas de roupas, museus visitados, bagels, donuts, cosmopolitans (um minuto de luto pelos cosmos perdidos), quando até os caras vestidos de super homem e mulheres com um N e um Y pintados nas respectivas bundas já estavam arriados indo embora da Broadway, começava a minha festa noturna: a farmácia!
As aves que ali gorjeiam certamente não gorjeiam nas farmácias de cá. Era libertador e relaxante, quase uma rebeldia. Um pote de framboesas, um energético de sabor novo, um ovo de Páscoa daqueeeeela marca que ficou na promoção porque acabou a Páscoa e ninguém (exceto eu) se interessaria por um presente fora de época. Uma caneca de chá escrito Hohoho (tá, não é natal, mas um dia vai ser), até uma solitária visita às prateleiras dos restos de Valentines Day. Como podem ver, tenho bastante foco: obviamente, só vou à farmácia porque preciso de remédios. Tavam quase sempre na minha lista de compras: pílulas de óleo de fígado de bacalhau, tabletes de melatonina, cranberry em cápsulas, aquele remédio pra dor de cabeça que dá sono, o antigripal deles que parece ser melhor que o nosso, colágeno que vem tão chique numas cápsulas cor de rosa peroladas – penso que o efeito é psicológico, mas que belezinha de cápsulas! Ainda coloco no carrinho um pano de prato de Saint Patricks day e me sinto de alguma forma preenchida, mesmo sabendo tão pouco sobre esse santo homem. Farmácias também instigam pesquisas culturais. Na virada do corredor, trombo com uma prateleira de bronzeadores que só não prometem trazer a luz do sol pra casa nem a pessoa amada em 7 dias. Compro. Pode ser que meu futuro namorado goste de uma loira bronzeada, de uma caneca Hohoho e de panos de prato de Saint Patricks day. Compro um teste para ovulação e um para gravidez. Mas você tá pensando em engravidar? De jeito algum! Mas nunca é demais ter esses apetrechos. Por falar nisso, não era aqui que já tinha o teste pra saber se é menino ou menina? Carregarei essa dúvida pra vida. Fico parada ainda por alguns minutos na frente de uma espécie de parafusadora que limpa as orelhas. Lembro que alguns otorrinos orientam que não se deve usar cotonete, e desisto. Recordo também que se há algo a ser parafusado nesse mundo é minha cabeça e não os ouvidos. E não perco a oportunidade de dizer – em minha defesa e não só – que existem milhaaaares de cabeças mais desparafusadas que a minha e deveriam ganhar prioridade. No caminho para o caixa, constato que aquilo jamais parecia uma farmácia – era um after party. Farmácias nos Estados Unidos são um misto de loja de conveniências, de maquiagem, de produtos curiosos e de balada. Não perco a chance de trocar olhares sedutores com os colegas de fila, mas logo perco o foco porque descubro que tem uns pacotes de Reeses em oferta e indubitavelmente estou a um bravo de distância do elixir da felicidade. Ai, que saudades de uma futilidade.
Voltando ao tempo de pandemia, a farmácia virou um misto de templo sagrado, mini supermercado (não como os dos EUA, mas dá pra uma emergência), fonte de informação (fico atenta às conversas alheias, sobretudo quando elas envolvem covid) e terapia. Só não vou mais porque, embora creio eu estar bem protegida, a regra é se evitar saídas. Farmácia se tornou um ponto de referência, uma quase obrigação: melhor andar até a farmácia do que passar o dia sentada e deitada. Preciso ir à farmácia pra me pesar naquela balança, que é tão honesta ao mesmo tempo em que cruel. Ainda sobre a pandemia, farmácia virou até um lugar pra bater um papo na madrugada. Tou com insônia e já tentei de tudo? Pego o carro e vou até a farmácia. Fazemos uma medicina um tanto selvagem: o farmacêutico fica na dúvida se são gases, refluxo ou se seria um problema na minha biota. Pena que não levei um vinho. Será que eles poderiam tomar 2 taças com a Ivy na farmácia? Mas eu posso. E isso já acende um alerta: tem Engov em casa? Na dúvida, já vai para a cestinha.
Saio de lá feliz, umas 4h e pouco da manhã, pois aprendi uma palavra nova. Se eu tivesse uma pet, penso que Biota ficaria simpático.
Ao abrir os pacotes com muito cuidado, enquanto desinfeto uma a uma as caixinhas percebo que esqueci de comprar dipirona. Droga!
Mas amanhã eu volto. Nunca se sabe quando uma dor de cabeça vai aparecer, né? E esqueci de perguntar se os testes de farmácia andam mais pra positivos que pra negativos. Pronto, já tenho um argumento para caminhar amanhã. Meia quadra só, mas na pandemia é tudo tão estranho que me sinto rompendo a faixa da São Silvestre cada vez que cruzo o portão do prédio.
Será que quando eu voltar aos EUA já terão inventado um parafusador de cabeças de humanos? Espero que não. Tem muita Nova York pra eu curtir e isso só funciona com os parafusos exatamente onde estão..
Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres meio desparafusadas e fã de farmácias. Acho que não é hipocondria. O nome disso é solidão.
(Por Ivy Cassa)