Tenho um problema. Google para resolver. Acesse o site. Acesso. Login. Não sei, nunca me deram. Cadastre-se. Cadastro. Cpf. Você já tem cadastro. Insira a senha. Nem sabia que eu tinha um cadastro, como saber a senha? Mandaremos um e-mail para você “lembrar” da senha. Recebo o e-mail e clico para criar uma nova senha. Altero. Faço novo login com a senha. A senha não é reconhecida. Tento de novo. E de novo. A conta é bloqueada por motivo de segurança. Tento falar com o robô virtual, que me pergunta o login. Diz que não me reconhece. De fato, não somos íntimos. Pede meu cpf. Eu dou. Informa que, para facilitar minha vida, eu devo acessar o chat pelo WhatsApp. Tive medo que ele me pedisse para meditar e resolver meu problema. Ufa. Aciono o número. Olá! Como posso ajudar? Disque 1 se você tem um problema. Eu tenho um problema. Digito 1. O robô pede meu cpf. Como posso ajudar? Dando colo, chá, atenção, um calmante. Mas tenho foco: conto o problema. Desculpe, não consigo entender; ligar para a central. Ligo para e há um aviso: nossos atendimentos estão demorando – faça sua reclamação pelo site. Entro no site. Tento em outra aba. O assistente virtual pede meu cpf. Ele me reconhece – já sou arroz de festa do site! – Ufa! Digo que tenho um problema. Me pergunta mais detalhes. Agora vai! Meu coração dispara. O sistema coloca quadradinhos na tela para confirmar que não sou um robô. Essa vai ser fácil. Onde estão as bicicletas? 1, 2, 3. Agora onde está a faixa de pedestres? 4, 5, 8. Sou reprovada. Não reparei que tinha um pontinho na 9. O chat é encerrado sem tolerância. Abro de novo – tenho a tal “resiliência pandemonial”. Você é um robô? Já nem com tanta certeza, digo que não e tento novamente não ser reprovada no teste dos quadrinhos. Aparece um formigueiro. Quantas formigas há na imagem? 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8. Parabéns! Não sou um robô. Que bom! O assistente virtual pergunta como pode me ajudar. Tenho um problema. Instale um aplicativo no celular e faça sua solicitação por lá. Baixo o aplicativo e ele me pede para inserir a senha. Não tenho a senha, caçarola! Ligo no SAC para reclamar que, além do problema original, tenho o problema de não tenho senha. Senhora, preciso da sua chave para registrar a reclamação. É que eu não tenho a chave porque não tenho login etc etc etc. Então isso só poderá ser feito presencialmente. Onde? No endereço que aparece quando a senhora faz login. Mas eu não consigo fazer login. Vou gerar um login provisório só para a senhora visualizar onde pode ir. Faço o login provisório. Ele me joga para o WhatsApp. Disque 1 se você tem um problema. Disque 9 se quer falar com um atendente. Eu definitivamente tenho um problema, mas quero falar com alguém. Pressiono repetidas e desesperadas vezes o 9999999999. Explico a mesma história pela 573a vez. O atendente me informa um endereço para eu comparecer. Mensuro o risco de sair de casa no meio da pandemia, lembro da mãe que é grupo de risco, que está próximo do Natal, calculo a distância, o melhor horário para sair com a menor aglomeração, espero o elevador que sempre demora porque não se pode mais entrar com os vizinhos, faço uma honrosa caminhada e quando chego ao local sou barrada pelo segurança. Vim aqui porque tenho um problema – o número 1! O segurança chama um estagiário, que chama o assistente, que chama o subgerente, que chama o gerente, que me diz para voltar para casa e registrar meu pedido pelo site porque eles não estão atendendo presencialmente.
Volto para casa sem senha, sem login, sem um telefone, sem alguém que me ouvisse. Junto mais peças de roupa pra lavar, coloco mais uma máscara de molho no sabão, e deixo meu problema em cima da mesa. Toca o meu telefone. É um robô perguntando como foi a minha experiência com a empresa – de 1 a 5, quanto você saiu satisfeita? Os insatisfeitos não têm opção. Apertei 1 e me parece que alguns problemas de 2020 são de certa forma parecidos com os de 2019, e serão com os de 2021. Antes do fim do expediente, o gerente virtual me ligou para oferecer um produto. Não quero um produto, quero uma solução. Não havia nada no script dele sobre isso e ele então me desejou boas festas. Coitado, também não devia ser culpa dele.
De volta ao Google, pesquisei “disque 1”. E descobri que 1 + 9 + 0 pode ser acionado em caso de perturbação do sossego. Não ligo, porque deve ter gente bem mais desassossegada que eu. Mas tentarei dar a sugestão à empresa que me causou um problema. Se eu conseguir descobrir como acioná-la, claro.

Ivy Cassa