Foi no meio de um grande tumulto pessoal que decidi me afastar do que eu achava que me fazia mal e até do que me fazia bem, para ter um olhar externo de mim mesma sobre minha própria pessoa.

Quantos se metem numas barcas dessas? Talvez não muitos. Quantos dos que embarcam olham para si? Imagino que pouquíssimos. Quantos olham para bundas, peitos e pernas enquanto não se encontram na barca? Milhares! Deixemo-nos de lado. Está é uma crônica quase turística.

Meu ingresso na barca – rezando para não ser furada – iniciava na cidade espanhola de Valência, que eu não conhecia. Por não ter certeza de se teria match com a cidade, abreviei minha estadia para um dia e uma noite.

Meia hora de passeio já me fez perceber que eu havia cometido um pequeno equívoco: em Valência era possível estar bem turistada por 3 a 4 dias, pelo menos.

Desfrutei meu único dia com a pressa de quem vai perder o barco em breve – e perderia mesmo se fosse parar para ver tudo que me interessava. Mesmo assim, deu pra desfrutar abundantemente. Do meu jeito preferido, passeando com os pés e sem guias turísticos falastrões ou overdose de informação, parei nos pontos que me faziam feliz. E gosto não se discute: canecas inspiradas nas pinturas de Gaudí, um restaurante de nome Fornelino, uma vitrine com Tintin e Milu já me provocavam risinhos infantis; tenho 38 mas às vezes faço gracinhas como se tivesse 8.

O riso sem sentido foi se intensificando sobretudo a partir da clínica de cílios “Alô Pestanas”, do restaurante “El Pica Forte”, do salão de beleza que prometia “pelo para valenciana”, e da placa do bar com a promessa de um “Chateemos por 3 euros”. Tem gente que me chateia de graça e eu aguento! Será que se eu pagasse podia chatear alguém? 😀

No mercado municipal, quase esquecendo que estava prestes a ingressar em um navio, tive vontades curiosas, como de comprar espetos de azeitonas e queijos em conserva, salada fresca de polvo, queijo ibérico curado, queijo puro de ovelha, “roscos” de anis e de vinho, toda espécie de cogumelos, queixo tetilla e minhas vontades só chegaram ao fim quando cheguei à seção dos leitões e das enguias vivas. Dei meia volta e procurei algo que me tirasse aquelas imagens da cabeça.

Atravessei a rua e dei de cara com um restaurante que, se não tivesse boa comida, contava pelo menos com um nome interessante: Vaqueta.

Adentrei na Vaqueta e fui acomodada em uma mesa logo na entrada, em frente a uma parede rústica onde se lia “Carrer de la Bona Cuina”. Eu devia estar no lugar certo. Com tantas delícias no cardápio e um espanhol que me colocava em dúvida minhas próprias aulas do idioma, acabei optando por um bolinho de bacalhau e um ovo com trufas. Não sei dizer se minha surpresa foi maior ao receber o bolinho, uma única unidade, pousado em uma mão de plástico que imitava a mão de um guerreiro espanhol, ou o ovo em uma jarra, parecida com de suco, que deveria ser despejado no prato para que a gema molinha se enamorasse com as trufas. Eu me apaixonei por tudo e ainda pedi uma sobremesa típica que já nem me atrevo a explicar; creio que eu já devia ter tomado umas duas taças de cava e estava imunizada. Era ótima!

Saindo de lá, continuei minha peregrinação, agora ainda mais animada e achando tudo ainda muito mais divertido, sobretudo a “casa de las carcasas”, onde imaginei aposentando a minha própria daqui a alguns anos; bolas de natal com o nome do meu melhor amigo com quem eu tinha brigado antes e por causa da viagem, então só tirei foto para que num futuro distante, se voltássemos a ser amigos, eu lhe mostrar um presente virtual. Me engracei por meias masculinas de cachorrinho e do pato Donald e lamentei não ter alguém para presentear, de modo que acabei comprando para mim mesma. Ri sozinha na loja que vendia um jogo de “chupitos” (traguinhos de bebida). Comprei um jogo que até hoje não usei. Descobri que as llamas estão ocupando o lugar dos unicórnios e fiquei um pouco preocupada. Me amarrei num macaco porta-durex, que só não comprei porque há uns 8 anos não uso fita adesiva. Adorei as mãozinhas decorativas articuladas e fiquei com muita vontade de mandar uma delas para um ex-coiso, mas lembrei que ele não valia nem o preço do frete. Descobri coqueteleiras com glitter, canecas do Olaf e, quando voltei à rua, achando que já tinha rido o suficiente para quem só tomou 2 taças, me deparei com uma loja de costura chamada “Dime que Cosa”. 😂😂😂😂😂 Que ficava na mesma rua de uma loja de conveniências “Pica Pica”. 🤣🤣🤣🤣🤣 Resumindo: não tenho maturidade para beber duas taças de cavas e perambular por Valência.

A noite se aproximava e logo pela manhã seria minha despedida. Fiz uma reserva no restaurante da Cidade das Artes e das Ciências e, aí sim, recomposta e sem riso, explorei a moderna arquitetura do local. Que tinha belas nuances no por do sol, mas ganhava ares futuristas ao anoitecer, com cones parecidos com ocas ocultando escadas, ondas arquitetônicas que lembravam o movimento do mar. E luzes que, conforme a quantidade de taças do visitante, poderiam até trazer à lembrança uma nave espacial. Não foi meu caso. Fui atendida relativamente rápido no restaurante, que parecia escondido na proa de um navio inexistente. Não era navio, era arte! Optei por uns tapas, incluindo um ovo com trufas – eu tenho dessas manias e mais algumas (modestas) taças de Tempranillo.

Saindo de lá, fiz uma pequena compra de supermercado – porque quando a visita é boa e não posso carregar a cidade na mala, procuro levar um gostinho – para mim e para minha mãe. Optei por uns Reyes Magos de chocolate, uma cava Anna, em homenagem à minha falecida avó, e uma caixa de Roscos de Vinho.

Se não houvesse pandemia, minha mãe certamente seria premiada com um passeio a tão simpática cidade em 2020. Como estamos respeitando o confinamento, adiamos os sonhos e transformei a saudade em mais uma crônica.

Quer saber mais sobre Valência? Incluí umas fotos da minha viagem de 2019 nos stories do Insta do @portasabertasivycassa

Em breve, vem mais saudade por aí.

Ivy Cassa

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