Oi! Ainda não nos conhecemos, ou talvez tenhamos nos trombado por aí algum dia e não reparamos. Também, pode ser que a gente até se conheça e passe a vida sem saber que deu match. Porque você e eu estávamos ocupados com nossos trabalhos, com as notícias que só lemos o título, dando likes aleatórios em fotos de gatinhos desejando ‘bom dia’ ou fazendo autopropaganda no Linkedin, porque a ordem de quase todo dia é: ser ultraprodutivo, multifunção e se mostrar f@da, porque não ser f@da tá fora de moda. Alguém estabeleceu e muitos alguéns concordaram que quem não cumpre essa cartilha é um ocioso improdutivo.

Voltemos ao nosso match. Pode ser também que nunca sejamos crushes ou sequer contatinhos, porque estamos na quarentena. Além de mal estarmos saindo de casa, quando vamos é correndo até o supermercado porque acabou o detergente e o frete do delivery tá cada dia mais caro, eu de máscara e você também, e não estamos em Veneza. Nem teremos a chance de sorrir um pro outro, sequer um sorrisinho de canto de boca. No mundo de hoje, bocas devem ficar escondidas, protegidas. Algumas eu até acho que ficam melhores caladas, mas creio que não seria o nosso caso. Sem sorriso, quanto muito, uma piscadinha, mas parece que não se faz mais isso, faz? Nós dois estaremos fora do nosso peso e talvez com uma crise de falta de sex appeal, pois ainda não nos acostumamos com nossas novas formas. E aquela esbarradinha que vez ou outra a gente dava no outro pra pedir desculpas e puxar assunto pode virar caso de polícia. Não tocamos nem em quem é da família, quanto mais em um estranho. Idem para o xaveco do “vc já comprou esse produto?” Primeiro que você não vai entender o que vou dizer porque minha voz estará abafada dentro da máscara, e segundo que a distância de segurança de 1, 1,5, 2 ou 4m (conforme a doutrina que você segue) que precisamos ter uns dos outros, dificultará até mesmo sua eventual boa vontade de tentar me ouvir. Ai, que saudades de quando ir ao Saint Marché era mais “produtivo” do que qualquer balada…

Mas ainda que nosso amor não tenha se concretizado, que você não faça a menor ideia de quem eu seja e vice-versa, achei que você deveria saber algumas informações sobre mim, porque assim, se a gente um dia, quem sabe… você já chega sabendo e de repente nem vai querer ser meu crush-peguete-namorado-noivo-marido e já terminamos nosso relacionamento aqui mesmo.

Me agradaria que você tivesse hábitos noturnos como eu, mas que também respeitasse os dias que preciso dormir muito cedo porque tenho que estar logo às 8h com uma cara que eu normalmente só consigo ter depois das 16h.

Tenho muitos pijamas da época em que éramos acumuladores, e talvez tenha até mais do que precise – essa reflexão não vale para a quarentena porque todos os pijamas são fundamentais. Portanto, se vc quiser fazer uma festa do pijama, irei bem paramentada e apreciarei se vc entrar na brincadeira.

Gosto muito de viajar e estou dia-a-dia vivendo o luto do fim dos tempos de viagens. Desde as mais pitorescas pelo interior do Brasil dando palestras e aulas e conhecendo todo tipo de gente, cultura e culinária, até as mais badaladas, como Nova York. Não me julgue por isso. Era uma época em que minha condição permitia viajar e anormal era não ir ao aeroporto em algum mês ou até semana. Acho que seria legal que nos conhecêssemos num barzinho de rooftop, desses tantos que há em Nova York, onde pudéssemos dividir cosmopolitans e beijos, quem sabe até nossos segredos e o resto da vida.

Já aviso que tenho variações hormonais abruptas durante o mês, o dia e às vezes até a hora, e que só quem aguenta ficar comigo nessas horas é meu porco-espinho-bolsa-de-água-quente. Mas fique tranquilo que quando a coisa sai demais dos trilhos eu hiberno, e aos poucos você vai aprender a ignorar meus destemperos cíclicos. Atualmente, há 2 dias no mês em que consigo não me sentir uma fábrica de hormônios hackeada por um ser maldito que me faz inchar, chorar, comer muito, me irritar, dormir mal, ter cólicas horrorosas e enxaquecas. Veja pelo lado positivo: vc terá pelo menos 28 dias de vale night – que fique claro: um ‘soft vale night’, e depois a gente ajusta as regras.

Vou te dar um exemplar do meu primeiro livro não jurídico. Embora ele seja de autoficção, pode ser que você consiga pescar uma ou outra informação verídica e útil para o nosso relacionamento. Talvez você fique meio cabreiro com as minhas histórias. Não fique: você também tem um passado. A diferença é que você não escreveu um livro. Escreveu? Vários?? Nem te conheço mas já te amo – desde que não sejam livros jurídicos! Ah, e sem chilquinho de ciúmes. Ciúmes de personagem só vai aparecer no segundo livro, que por sinal já está bem adiantado. E se você for “o cara”, quem sabe não termino uma trilogia contando nossa história?

Tenho orquídeas na minha varanda. Todas elas foram presentes, porque eu não tenho jeito algum com plantas e portanto não compro – coitadas. Quem cuidava delas era minha funcionária que já não trabalha comigo há mais de um ano. Hoje me surpreendi ao ver que, apesar de eu ser tão relapsa com elas – não por maldade, por falta de habilidade – e mesmo com o mar de lama que o mundo virou, ainda assim uma delas floriu.

Pode ser um sinal de força, de independência. Ou de que eu deva cuidar mais das orquídeas e ligar menos para o celular. Ou de que, apesar de tudo, ainda há orquídeas. Ou, quem sabe, ainda tenha resistido – como as orquídeas – um tantinho de amor. Nem que seja por um crush imaginário, em época de quarentena.

Ivy Cassa

#cronica #literatura #ivycassa #portasabertas #portasabertasivycassa #quarentener #amor #quarentena #leiamulheres