Chega um dia em que a gente decide: não quer mais morrer

Digo, morrer todo dia um pouco até o dia da despedida final,

Por mais que essa seja a nossa natureza.

A tal dignidade humana tão pavoneada pelos advogados podia ser compreendida como o direito de sair da mesa quando o jogo já não dá sinais favoráveis a nós. Não vai ter fisioterapeuta, gel anestésico, nem viagem exótica ou anel da Tiffany. Não tem mais cura.

O problema é aquela abelha anjo-diabo que sempre surge fazendo zumzumzum quando tudo já está em escombros.

“E se?” – ela zzz.

Como se aquela possibilidade estapafúrdia fosse a tal porta a que Jack e Rose se agarraram quando afundou o Titanic.

Grande parte das mulheres talvez seja meio Rose: pega porta, puxa Jack. Mas é tão óbvio aos outros que ou a porta não aguenta Jack e Rose, ou que Jack e Rose não são para ficar juntos, ou que mais ainda: ninguém seja pra ficar juntos. Ou que a Rose esteja enganada, que o Jack seja egoísta, ingrato, indeciso ou um bundão e qualquer pessoa vendo a situação de fora já teria dado um caldo no Jack! Se Jack pudesse, de repente era até ele que teria empurrado a Rose pra água gelada. Como tantas vezes tantos Jacks já jogaram água fria no que sentíamos e a gente seguiu machucadinha achando que da próxima seria diferente. Ahã.

Você, nada Rose, nada diamante no pescoço, sabendo que Jack dá em cima das suas amigas, que a consideração que ele tem pelo seu Zelão do boteco é maior que por você, ainda assim você se vê no direito de soltar uma dúzia de lágrimas.

A abelha anjo-demônio volta a aparecer. Você dá um tapa nela, mais pra sofrer a dor do seu próprio tapa do que pra espantar o bicho.

A gente continua morrendo cada dia um pouco pela coisa e pessoa errada.

Até o dia em que o zumbido for mais certeiro. A abelha vai abrir uma maxi porta e dizer: é agora.

(Ivy Cassa)

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