Desde que tinha menos dedos que uma mão sempre aprendi a lidar com o problema da falta de sono. Naquela época (expressão que, por si só, revela que sou “daquela época”) não tinha celular nem computador, então remédio pra insônia era um chá de erva cidreira colhida no quintal e gibis. Preciso confessar, usei gibis por muitos, muitos anos: Margarida, Donald, Mônica… e não era só um por noite 🤭
Quando fiz 16 anos, ganhei um computador, que se conectava à internet por linha discada. E eu usava. Acho que todo mundo usava – depois da meia noite, porque custava um pulso só. Confesso que usei muito, desde o Bate Papo do UOL, amigos virtuais… usei, usei muito! 🤭🤭
Mas quando ganhei meu primeiro smartphone, em 2006, nunca mais fiquei sozinha. Eu usava na cama, no banheiro, no trânsito, no avião. Usei, sim, confesso 🤭🤭🤭
Um dia, um médico achou que eu devia largar as drogas e começar a tomar bolinhas brancas.
A primeira vez que tomei uma bolinha branca foi como mergulhar numa piscina de ignorância. Pouco importava o que acontecia no mundo. Meu sono, que chegava em 20 minutos, era mais importante. Era quase tão rápido quanto um uber em dia de chuva na porta do shopping.
O problema é que com o tempo uma bolinha começou a parecer insuficiente. Negociamos até 6 por noite.
Com isso, passei a acordar sonolenta. “Um café?”
“Naaaaaaao!” O médico receitou duas bolinhas vermelhas para acordar bem e sem café!
“Doutor, mas eu não fico muito acelerada com essas vermelhas?”
“Só se vc não tomar uma verde antes do almoço”.
Todo mundo gosta de ter algo verdinho pra comer na hora do almoço. O problema é que a verdinha me deixava indisposta e sem fome.
“Faltou tomar 2 roxinhas no meio da tarde”.
Pra que? “Pra ficar mais disposta e abrir o apetite.”
“Mas daí eu fico com muita energia na hora errada, com fome e sem sono!”
“Então uma azulzinha! Agora vai.”
E foi… só esqueceu que me deixou sem personalidade! Sem alegria de viver, sem ânimo. “Ué, mas você não queria dormir?”
“Sim, mas entre um sono e outro eu pretendia viver, só isso.”
Depois de ter trabalhado até às 18h, feito 5 reuniões – sendo 2 em inglês, fui dar aula no curso de pós graduação. Cheguei em casa já passava das 23h. Banho. Escova no cabelo, comer o resto do jantar do dia anterior.
Peguei todas as bolinhas, coloridas feito m&m, mas muito mais caras que m&m. Despejei todas numa caixa. E coloquei sem dó no lixo.
As bolinhas mudaram meu humor, minhas relações com as pessoas, meu tom de voz, meu sorriso e até meu choro. A Ivy com bolinhas não tinha nada a ver com a Ivy de biquíni de bolinhas imitando a Anitta na piscina do Carlão. A Ivy com bolinhas não ia pra academia, não usava biquíni nem dançava. A Ivy com bolinhas era cama, sozinha. Nem Ivy ela era. Era um I jogado de um lado, um V do outro é um Y acolá. Até juntar as 3 letras não era tarefa fácil.
Fiz um chá de erva cidreira – não era plantado no quintal, mas não era de se jogar fora – encontrei um gibi da Luluzinha no meu iPad, depois um da Margarida e mais um da Mônica. Foi assim que fiquei esperando o sono vir e voltei a usar drogas. 🤭🤭🤭🤭
(Ivy Cassa)
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