A crítica mais bonita que recebi do meu livro “Confissões de uma Jovem Viúva” foi do Fredão, também conhecido como Antonio Carlos Alves Pereira, um dos advogados mais brilhantes e com uma capacidade de escrita que me inspira:

OS BONS LIVROS NÃO NOS TRAZEM RESPOSTAS; ELES NOS FAZEM PERGUNTAS

“Será tudo culpa da tal modernidade líquida do livro do Bauman? (…) As relações são mesmo líquidas, fruto da impaciência dos indivíduos? Os sentimentos são meramente efêmeros como apertar um XIS ou um coração no aplicativo? E os casamentos? São instituições opressoras? Produto do comodismo? Das redes sociais? Hera tinha razão nos seus destemperos? Todos os homens são infiéis como Zeus? E as mulheres? O amor é mesmo monogâmico como Hera apregoava? Hera é a deusa da fidelidade, a protetora dos matrimônios… que ironia meu destino! Logo eu que, afinal, nem sou Hera para transformar a tia Bedecilda numa Ursa ou colocar olhos na cauda de um pavão. Talvez o amor só exista mesmo nos poemas de Bandeira, nas músicas de Caetano Veloso e no meu Reino dos Devaneios. Pode ser que tudo tenha sido uma alucinação, confusão mental ou delírio…”

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IVY CASSA, advogada e mestre em Direito pela USP, atuante no mercado financeiro, autora de um raro livro sobre o Contrato de Previdência Privada, tema do qual mesmo os iniciados tendem a fugir por força da sua complexidade, é também uma escritora surpreendente e uma amiga querida que vejo muito de vez em quando.

Amiga? Conheço-a tão pouco… Seu livro “CONFISSÕES DE UMA JOVEM VIÚVA” mostrou-me o quão pouco eu a conheço. Mas quem disse que a estima carinhosa demanda “conhecimento” sobre quem carinhosamente estimamos? Eu gosto da Ivy Cassa, e nunca me perguntei a razão, nem pretendo faze-lo.

Ivy e eu chegamos a trabalhar no mesmo escritório por alguns anos, lembro-me bem do seu esforço na elaboração do seu livro sobre Previdência Privada e (eis aqui o “link” para a narrativa contida no livro) lembro-me bem do Pedro, um belíssimo rapaz, há que reconhecer, belíssimo, lembro-me de quando começaram a namorar. Casaram-se. Pouco tempo depois, uma doença cruel e traiçoeira levou embora o belo marido de Ivy ainda na sua década de 30 particular. Mario Lago disse certa feita que devia haver uma lei irrevogável que proibisse eficazmente as pessoas de morrerem assim tão jovens.

Da inexplicável tragédia brotou o que constitui a matéria prima do livro, das “confissões” de Ivy, do qual extraí o trecho que principia estes comentários.

Para quem já era amigo da autora, surgem as perguntas sobre como terá sido o tempo em que ela sofreu ao lado do companheiro que via a morte aproximar-se.

Ivy chamou-me a atenção desde a primeira vez que eu a vi. Eu sempre a achei muitíssimo bonita, sensual, elegante. Ela sempre teve uma potência descomunal para seduzir até mesmo quem “não gostasse dela”.

Ivy sorri sempre, ainda que (influenciado pelo livro?) eu divise alguma tristeza silenciosa perene no seu olhar.

Ivy sempre me fez sorrir carinhosamente ao falar ou pensar nela. Gosto de quem, como ela, é capaz de se afeiçoar a uma velha cadela que “habitava” o quintal do escritório em que trabalhávamos para, em pouco tempo, leva-la para sua residência. A velha cadela de rua transformou-se num “pet” idoso e feliz.

Eu sempre olhei Ivy à distância. Ivy sempre foi e sempre será “muita areia pro meu caminhãozinho”, eis o que percebi serenamente desde o primeiro instante. Daí, por ter assumido esta lei como uma norma irrevogável de direito natural, eu sempre pude nutrir por ela um carinho despretensioso e sem medo, o que é muito raro nas relações pessoais (sobretudo nas minhas).

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ROUSSEAU supunha ter sido o inaugurador e também o primeiro e único expoente do gênero das “Confissões” ao qual julgava que ninguém mais se seguiria; esqueceu-se de que Santo Agostinho havia se embrenhado no mesmo tipo literário muito tempo antes e – contrariamente ao que pretendia Rousseau na sua presunção – muitos se seguiriam nessa mesma trilha: Santa Teresa de Ávila, Pascal, para falar apenas nos primeiros que me vêm à cabeça e …. por fim…. IVY CASSA.

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Eu disse acima que afastei Ivy de quaisquer pretensões minhas por ser “muita areia pro meu caminhãozinho”, mas o livro explicitou mais acentuadamente essa distância: eu sou o extremo oposto, sobretudo no plano físico, mas não só, do tipo de homem que Ivy deseja. Não obedeço a nenhuma das regras de etiqueta e elegância que ela admira, sou um desleixado incurável, um horror ambulante. Não tenho o seu bom gosto para a culinária, nem para as vestimentas (aliás, eu não me lembro de ter visto Ivy repetir alguma roupa nos anos que tivemos em trabalho contíguo).

Mas as confissões de Ivy não se limitam às suas aventuras com os homens que ela confessa ter “atacado” ou pelos quais ela se permitiu “ser atacada”, assim que decidiu recusar o papel de eterna viúva inconsolável, a verter intermináveis lágrimas salgadas como o orégano, personagem comumente exigida pela nossa sociedade.

Ivy consegue ser muito ousada em suas confissões sem sacrificar, de modo algum, a discrição e a delicadeza, mesmo quando se permite o ensaio da rudeza.

Quem a lê apressadamente ou com preconceitos, pode avalia-la “fútil”, “materialista”, apegada a marcas e a signos de modismo, superficial… é a tolice das apreciações açodadas. Ivy, como os seres humanos em geral, é um “iceberg”. Noventa por cento da sua riqueza e beleza encontram-se abaixo da superfície.

E vamos ao essencial: Ivy escreve bem demaaaaais! Aquilo que a crítica literária convencional chama de “domínio da narrativa” é algo absoluto na sua escrita. Confesso que fiquei surpreso, porque eu ignorava que havia trabalhado nas proximidades de uma excelente escritora por anos a fio.

E volto para algo que já salientei mais acima: bom livro não é o que nos traz respostas, mas o que nos faz perguntas.

A leitura das aventuras e desventuras da viúva Ivy Cassa acentuou em mim muitas das doloridas inquietações que me perseguem há tempos: o que eu tenho sido, o que temos sido nós, homens, para as mulheres?

Cada vez que eu me deparava com as estranhíssimas atitudes, típicas fugas, de alguns homens que se envolveram com Ivy, sentia em mim pontadas doloridas a acusarem-me de pertença a este sinistro clube.

Por que somos tão fugitivos? Por que ferimos a quem tanto amamos? Por que mastigamos pérolas como porcos estúpidos? Que maldade é esta que nos paralisa, que medo maldito é este que tanto nos desnatura?

Preciso deter-me diante dessas interrogações porque, como disse Sócrates, a vida só vale a pena de ser vivida quando pensamos no que somos e no que fazemos, porque a vida sem análise e buscas só serve para o gado.

Em síntese: um livro ótimo, e digo-o para ser contido, porque é bem mais que ótimo! Recomendo-o para homens que queiram pensar no que são e no que devem ser (e que sobretudo não odeiem as mulheres, como parece ser a atual moda). E também para as mulheres, sobretudo as que, em função do fracasso que vivem em relacionamentos amorosos, talvez desejem ser viúvas de seus atuais maridos. Não é necessário chegar a isso. Atirem-se, lancem-se aos desafios como Ivy se lança a cada gesto de sua generosa e linda escrita e, quem sabe, poderão escrever suas confissões de mulheres libertadas, como Ivy o é e sempre foi.

Gosto muito de você, Ivy! E agora muito mais do que antes!